quarta-feira, 3 de outubro de 2012

Cultura, comunicação e respeito.


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Eu ia aproveitar o começo de Setembro pra falar sobre as September Issues e o que isso significa pro mercado da moda e da comunicação.
Mas quando vi o desenrolar do caso MAC + Rodarte, percebi uma oportunidade mais do que possível de atuação de um RP, seja antes, durante ou depois de todo do acontecido. E olha que é polêmica pra dar o que falar mesmo. Se prepara que hoje o post é longo e a discussão é essencial pra gente aprender!
Você provavelmente deve conhecer a marca americana de maquiagem MAC. Batons consagrados, coleções temáticas e divertidas e preços (aqui no Brasil) astronômicos: enquanto um batom da marca custa U$9 lá em terras natais, por aqui, os preços chegam aos R$69.
Já a Rodarte é uma marca de roupas e acessórios fundada pelas duas irmãs americanas Mulleavy que desde 2005 vêm fazendo parcerias de edições limitadas com marcas da moda, como The Gap – e colecionando prêmios.
Até ai, tudo bem. Duas marcas fazendo parceria para mais uma coleção limitada, ou seja, consmidoras enlouquecidas pelos produtos (ou pela marca?).
Acontece que a limited edition em questão se inspirou na Ciudade Juarez, no norte do México, bem perto da fronteira com os EUA. Você chegou a ver a coleção nas lojas? Não mesmo, pois a linha foi cancelada.
Como assim? Bem, foi assim:
antes de enviar os produtos aos pontos de venda, a marca solta a publicidade pra provocar desejo, construir identificação de marca e de produtos novos, enfim, ter um impacto deteaser e aparecer. Mas desde esse lançamento a coleção foi bombardeada por críticas de blogs e associações dos direitos humanos pelo mundo inteiro. As modelos que estampavam essas publicidades apresentavam um ar bastante notívago, meio halloween mesmo – até a hora que começaram a perceber que eram cadáveres… concorda?
dá pra perceber que o que vemos é o reflexo, e ela mesmo "não existe"?
Pessoalmente, eu já pensaria nessa campanha como algo de muito mau-gosto, afinal, uma linha de maquiagem ou de produtos femininos deve exaltar a beleza das consumidoras, e não o contrário. Mas isso ficou ainda pior, porque a cidade de Juarez, na qual se inspiraram, é muito conhecida pela infelicidade do feminicídio, a violência contra mulheres e crianças, uma realidade triste e machista na cidade mexicana.
Aqui, nesse ponto, já se confundem mal gosto, falta de sensibilidade da marca, falta de análise do público, falta de bom senso… entre vários outros pontos de comunicação que poderiam ter evitado – ou empedido – essa catástrofe.
A linha foi cancelada, as marcas se desculparam publicamente e atestaram “nunca terem tido a intenção de ofender os consumidores – além de terem, posteriormente, oferecido parte dos lucros da edição para as instituições do país. Obviamente foram rejeitados e a linha sumiu de vez.
Como relações públicas, publicitários, enfim, comunicólogos, o que podemos tirar disso tudo?
Muita coisa.
A começar pela identidade da marca: não consigo imaginar como uma marca como a MAC, que sempre mostra a sua marca como uma marca de beleza, cheia de cores e brilhos, que tem as suas coleções ligadas a temáticas leves como Hello Kitty, pôde se colocar nessa posição de promover uma beleza triste, real, sim, mas delicada e extremamente sombria para aquele público / população.
Entramos, aqui, no conhecimento do público: será que nunca pensaram que esse tipo de ação, que promove uma polêmica que vai diretamente ao seu público alvo, as mulheres, não poderia ter sido feita de outra forma? Talvez uma campanha de valorização da mulher, contra a violência da mulher… Ih, dá pra ir longe! Mas, MAC, usar a infelicidade de uma cidade, de seu público alvo, pra fazer isso virar mote publicitário? Olha, sinceramente, me repugna.
Porque além de ser um público alvo consumidor, esse público tem uma cultura. E a cultura na qual esse povo está inserido é realmente muito importante. Não são somente os hábitos e os costumes dessa parcela da população, é uma questão sociólogica e antropóloga, que vai muito além do individual: atinge o ser complexo que é mãe, e vê a sua filha nessa situação; a filha, que pode ter visto a mãe ser violentada; a vó, que lutou pelas suas descendentes… E toda essa rede complexa de significados e significantes que envolvem os aspectos culturais que formam um povo e, a nível mais simplificado, um indivíduo.
Como se tudo isso não bastasse, após as declarações, oferecer dinheiro para as instituições? Obviamente seria uma ajuda bem vinda, mas não nesse momento. Depois de todo o episódio e toda a sua crise, oferecer dinheiro é como querer “tampar o sol com a peneira”, pagar para silenciar, como se tudo tivesse um preço. E a imagem, ó, só caindo…. Despencando lá do céu.
Tem mais? Claro que tem.
Se houvesse sido feito um planejamento, realmente que abrangesse todas as áreas que compõem as relações públicas, que se importasse de verdade em enxergar o seu público, a sua “referência”. Será que teriam mesmo aprovado essa campanha?
Se houvessem percebido o absurdo que estavam propondo, poderiam ter proposto outro tipo de ação. O intuito era chamar a atenção para o cenário de violência, pra essa triste realidade de milhares de mulheres ao redor do mundo? Faça uma ação coerente com o seu objetivo. Embelezar o ato para torná-lo público é distorção e oportunismo.
Por fim, que gestão de crise foi essa? Dinheiro? Só consigo pensar em suborno. Mais uma vez, é a realidade do público que está sendo ofendida, tratada como descaso. No mínimo, esperava que alguma ação realmente humana e que realmente fosse eficaz para essas mulheres que sofrem tanto fosse realizada – seja um evento beneficiente, uma nova campanha que tivesse seus lucros revertidos… Algo que tenha sido (RE)planejado para claramente esses fins.
Ao mesmo tempo em que enxergo como um episódio lamentável para a área da comunicação, vejo também como um ótimo case a ser estudado e distrinchado ao máximo, a fim de que tenhamos cada vez menos margem para errar, e mais para criar uma verdade identidade com o nosso público: sem focar unicamente em lucros, em números e visibilidade.
Como muito bem colocou De Chanel na Laje, “Imaginem se a MAC lançasse uma linha de maquiagem inspirada no Brasil: sombra Crack, batom Comando Vermelho, blush Periferia Reprimida, base Poluição, gloss Chuva Ácida, esmalte Amazônia em Chamas. Seria lindo. Todo mundo ia adorar, né? Então”.
Até mesmo porque lidar com relações públicas é lidar com o público que como eu, você e cada mulher que sofre lá em Juarez, é humano, tem sentimentos, conflitos e alegrias diárias – querendo, mesmo quando consumidor, ser visto da maneira humanística que é.
E pra você, qual foi o pior #fail dessa história toda? Conta pra gente conversar mais e apreder juntos.
Marina Franco – @ninafranco

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